Alfabetização científica ou letramento científico? Existe diferença?


Existe um fosso entre o que é ensinado nas escolas e as necessidades apresentadas pelos alunos em compreender a realidade dando significação ao conteúdo estudado, principalmente ao que concerne ao Ensino de Ciências. O MEC recomenda, por meio dos PCN do Ensino Médio, que a educação deve centrar-se na preparação do aluno quanto a dar significação ao conhecimento escolar, contextualizando-o, mediante a interdisciplinaridade.[1] (BRASIL, 2000, p. 12). Aponta ainda que “A formação do aluno deve visar à aquisição de conhecimentos básicos, à preparação científica e à capacidade para usar as diferentes tecnologias relativas à área de atuação.” (BRASIL, 2000, p. 5).
O objetivo de um processo educativo calcado no conhecimento científico e tecnológico é capacitar o educando para atuar na sociedade de forma ativa, posicionar-se frente a situações cotidianas que exijam dele leitura e discussão crítica dos fatos. Como mecanismo eficiente que permita alcançar esse objetivo, inúmeros pesquisadores da área de Ensino em Ciências (FOUREZ, 2003; SOARES; 2003; ELER e VENTURA, 2007; MAMEDE e ZIMMERMANN, 2007)apontam para uma abordagem interdisciplinar baseada nos pilares: Ciências, Tecnologia e Sociedade (CTS).
De acordo com Cutcliffe (1990), “a missão central do ensino de CTS é a articulação de uma interpretação de Ciência e Tecnologia como elementos sociais complexos e contextualizados, nos quais uma larga escala de valores define a direção da pesquisa científica e das inovações tecnológicas.” (apud LACERDA SANTOS, 2002, p.40).
Lacerda Santos (2002, p.36) afirma que num futuro próximo o domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos associados aos aspectos de natureza social será fundamental para o “exercício pleno da cidadania,” de forma a capacitar o indivíduo aos desafios impostos pela sociedade tecnológica.
Compreendemos o Ensino de Ciências numa abordagem CTS como sendo a construção do conhecimento voltado ao desenvolvimento de habilidades e valores necessários a tomada de decisões responsáveis sobre questões da Ciência e Tecnologia que interferem ou venham a interferir na sociedade.
Para isso, é indispensável uma formação educacional que privilegie o letramento científico dos alunos, não apenas preparando-os a articularem respostas descontextualizadas sobre Ciência e Tecnologia, mas, como apontado por Lacerda Santos (2002, p.40) relacionando-os ao “empreendimento científico e tecnológico” de forma a questionar a sua importância, as reais necessidades da sociedade e o devido controle sobre esse conhecimento. 
Mas, afinal, existe diferença entre ser alfabetizado cientificamente e ser letrado cientificamente?
Embora tenham enfoques diferentes, eles estão correlacionados, ou seja, são duas faces de uma mesma moeda. A alfabetização pressupõe uma ação, a de alfabetizar, ou seja, ensinar o alfabeto, que segundo Soares (2003) inclui ensinar a ler e a escrever. Já o letramento seria o uso social, consciente, das ações de ler e escrever. Paulo Freire (1967) já apontava para a necessidade de se usar conscientemente as ferramentas da leitura e da escrita, aproximando-se do que hoje se discute sobre letramento científico. Vejamos:

é mais do que o simples domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e de ler. É o domínio dessas técnicas, em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se entende. É comunicar-se graficamente. É uma incorporação. Implica, não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas, desgarradas de um universo existencial — coisas mortas ou semimortas — mas numa atitude de criação e recriação. Implica numa auto formação de que possa resultar uma postura interferente do homem sobre seu contexto. (FREIRE, 1967, p.117).


O termo alfabetização científica é utilizado por Fourez (2003, p.113) no sentido de letramento, uma vez que o autor propõe a ela “finalidades humanistas, sociais e econômicas.” Nesse propósito de ação social, Mamede e Zimmerman (2007, p.1) afirmam que “a alfabetização refere-se às habilidades e conhecimentos que constituem a leitura e a escrita, no plano individual, ao passo que o termo letramento refere-se às práticas efetivas de leitura e escrita no plano social.”
Ulôa et al. (2010, p.3) argumenta que o letramento é um “modelo ideológico” que “compreende as práticas de leitura e de escrita contextualizadas e constituídas dentro de um contexto específico, o que implica saber sobre  o que, como, quando e por que ler e escrever, quer dizer, saber as condições de produção dos letramento”. (grifo do autor)
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (S.d.), o letramento científico confere aos educandos a capacidade de articular os conceitos científicos na compreensão e resolução de situações que envolvem o mundo natural, reconhecendo questões científicas, fazendo uso de evidências, tirando conclusões com bases científicas e comunicando-as.
Considerando as abordagens apresentadas, podemos concluir que a alfabetização científica está relacionada ao domínio da nomenclatura científica e da memorização de termos e conceitos; já o letramento científico considera as habilidades e competências necessárias para o uso consciente dessas informações. Nesse sentido, o letramento científico melhor se adéqua às necessidades fundamentais para a formação cidadã sendo, contudo, inegável a necessidade da alfabetização científica do indivíduo.


[1] Interdisciplinaridade aqui descrita é entendida na concepção de Garcia (2002) que a descreve como forma de trabalhar o conhecimento buscando “os possíveis pontos de convergência entre as várias áreas e a sua abordagem conjunta, propiciando uma relação epistemológica entre as disciplinas.”

3 Response to Alfabetização científica ou letramento científico? Existe diferença?

6 de novembro de 2013 às 03:15

Gostei muito desse tema.

11 de novembro de 2014 às 10:10

Na sua opinião quem são os responsáveispor esse letramento científico na escola básica? Você poderia me indicar alguma bibliografia a respeito? Seu texto é interessantíssimo.

24 de maio de 2015 às 18:35

Seria interessante postar também as referências utilizadas, para uma pesquisa mais aprofundada dos leitores. Obrigada!

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